quarta-feira, 23 de maio de 2012




Três horas da manhã. Sempre a essa hora e sempre a mesma sensação. De sobressalto, erguia-se assustado, como se emergisse da água. O ar lhe faltava na mesma medida em que lhe faltavam muitas outras necessidades naquela vida frustrante (por que não de merda?). A taquicardia já não lhe incomodava mais, passou ao status de irrelevante (deveria procurar um médico). Àquela altura, seus medos eram sua maior aflição. Aquela sensação já lhe era familiar (por que não desejada?). Milhões de pensamentos turbavam a mente inquieta, alguns irracionais e outros não (e o que não seria racional num momento como aquele?). Divagações e mais divagações. Sentado no quarto escuro, chagava a duvidar do conceito do bem e do mal (quem se importaria, quem julgaria?). Um grito vinha, mas ficava na garganta (ainda o coloco pra fora). O vento ajudava a secar o suor e acalmar. Dos vários paliativos possíveis, queria apenas um alento, mas não havia nenhum por perto (não digno). Chegava a ficar cansado de tanto refletir sobre o que fazer, sobre que decisão tomar, sobre o que deveria sacrificar (não se pode ter tudo na vida). Vai a cozinha beber água, mesmo sem sede (já estava acostumado a tomar atitudes fugazes). Acreditava que saindo do quarto deixaria seus dilemas para trás (tinha certeza de que pelo menos um deles ficaria lá). Mais calmo, deita na rede armada na sala. A frieza do pano lhe dá um conforto renovador (chega até a esboçar um sonho). A paz se instala. Chega a se esquecer de suas angústias, até que uma delas vem caminhando pela casa e repousa ao seu lado (estava bom demais para ser verdade).





Epíteto Específico

domingo, 6 de maio de 2012

Sentado




Ela poderia fechar a porta do banheiro ao menos para cagar. Depois de algumas boas trepadas, toda puta passa a se sentir, em algum momento, a esposa do cidadão. Suado e ouvindo os budejos saindo do banheiro. É errado pagar pelo prazer? Sempre me perguntava isso depois das gozadas. Do banheiro, mais budejos. A ânsia e o pesar pelo ato consumado eram frequentes naqueles encontros.  Não fugia dali correndo por que homem não foge disso. E o prêmio ostentado aos amigos? Os budejos agora se cconfundiam com o barulho do ventilador. Calça velha, a mesma camisa, cigarros em retalho ... 10 reais não valiam o som da descarga.


...sorrisos no canto do rosto entregam as verdadeiras intenções. Disfarçar, melhor não deixar transparecer. Cochichos, mensagens, olhares, horário marcado, correr para se arrumar... em silêncio. Está tudo combinado, todas nós concordamos e estamos felizes na presença uma das outras. Todas? “Mas que nada, ela não liga pra essas coisas, ela não gosta disso, ela é diferente mesmo...” Seguem as circunstâncias que realmente diferenciam os iguais, aqueles cujas escolhas formaram tipos de caráter que só podem se unir para alguns fins, aqueles que não ferem nossos conceitos. Mas qual o problema? É muito tranquilo entregar 70% em uma aposta que para outros vale 100.
(C. Abacílio)

sábado, 5 de maio de 2012




...e com certo penar que lhe era costumeiro, avança. Encara um dos seus maiores desafios, não embebido na incerteza que trazia de batismo, não, desta vez era diferente, tinha em seu alforje a plenitude da conquista.
Foi levando consigo todos os desejos de bons tempos, todas as recomendações cautelosas, tudo que lhe coube na cabeça. Mas aquilo que lhe parecia garantido, algumas de suas coisas mais importantes não couberam na bagagem (mas essas já não são como tatuagens sobre a pele?). Hoje tem apenas a lembrança de onde encontrava, em tempos passados, cada objeto cuidadosamente organizado em suas antigas gavetas.
(C. Abacílio)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Insofrido


Não começou com cordialidades. A partida vera veio com os primeiros tragos. Posso fumar aqui? Cadê minha brejeira? E falar de si não foi diferente de falar dos outros (será?). Entendo, conheço, sei ... cabrochas virgens ? quero é fumar. Para cá e para lá, sempre sorrindo e a se coçar. Incontido como o excesso de tragos. E a cada assunto, a cada cigarro, a cada gole, a cada sorriso, um estridente grito do vazio de sua vida. Quando se conhece de tudo,  e pouco se tem. As horas a passar, os sorrisos a diminuir. Para lá e para cá, com a mesma frequência dos tragos. O tempo a se esgotar, os gritos a aumentar. O frio da solidão desespera até o mais duro dos homens. A tarde a se findar e o mundo temporariamente esquecido a se aproximar. Mais tragos de cigarro e de cachaça. Tentativa vã de mudar o inevitável. A hora chegou antes da aceitação. Despedidas escondendo um pedido... SOCORRO!